terça-feira, 5 de maio de 2009

BESAME MUCHO

De que adianta ter sido um dos maiores compositores de todos os tempos, um dos maiores gênios da humanidade, se o reconhecimento vem de maneira equivocada? Já repararam o que tem de condomínio chamado Mozart? São construções das mais diferentes categorias: conjuntos populares, torre comercial, condomínio de casas. Quando o prédio é de padrão mais alto ou tem a fachada neoclássica, o nome varia para Condominium Amadeus. Nunca entendi por que colocar condomínio em algo parecido com latim. É só para dificultar a vida do porteiro. Se o meu nome fosse usado para batizar obras de excelência arquitetônica, ficaria feliz. Mas nomeando caixas de concreto sem graça, eu preferiria que usassem o nome do Salieri.

No entanto, o que mais me aborrece não é ter meu nome utilizado como marca de chocolate, licor ou nome de edifício. O que me incomoda é ter meu repertório quase todo (e olhe que são mais de 600 obras) vertido para a música de elevador. Aliás, a música de elevador talvez seja, de todos os gêneros musicais, o mais inusitado, porque é uma música pensada para não ser ouvida. Quanto menos notada, mais ela realiza a sua vocação. Em geral, para se fazer uma música de elevador, uma composição famosa é rearranjada (ou desarranjada, se preferir) para que seja reconhecida, mas não notada. Ela é fruto de uma mente engenhosa que achou que seria um pesadelo você ficar subindo ao seu andar ou enchendo o carrinho do supermercado tendo que ouvir os ruídos do ambiente. Então, neste momento, para preencher esse terrível silêncio, começa a soar Eine Kleine Nachtmusik, versão tecladinho Casio, passado no liquidificador.

Gostaria de saber quem produz essas versões e que gerente-financeiro as compra. Será que se trata de um programa de computador capaz de transformar em segundos uma obra-prima em encheção de linguiça sonora? Ou será que há músicos de verdade contratados para executar (no sentido literal) as versões para elevador? Neste último caso, até imagino a seleção do pessoal:
– Você está demitido.
– Por quê?
– Fechou os olhinhos enquanto executava Flauta Mágica.

O problema é que esse gênero musical não me coloca ao lado de Bach, Beethoven e Schubert, mas sim de Richard Clayderman e Kenny G.
Dia desses, fui fazer uma massagem e lá estava eu sendo executado conjuntamente com o ruído de cachoeiras e pássaros. A massagista perguntou:
– O que senhor tem? Está tão tenso.
– É essa maldita música relaxante.